terça-feira, 20 de março de 2012

O Tribunal que virou caso de polícia

Responsável por fiscalizar as contas do governo fluminense, o TCE do Rio é investigado por distribuir uma verba secreta e manter servidores fantasmas

SOB INVESTIGAÇÃO O atual presidente do TCE do Rio,  Jonas Lopes de Carvalho Junior.  Ele e outros três conselheiros foram denunciados ao STJ. Abaixo, trecho da denúncia contra a verba secreta (Foto: Uanderson Fernandes/Ag. O Dia)
SOB INVESTIGAÇÃO
O atual presidente do TCE do Rio, Jonas Lopes de Carvalho Junior. Ele e outros três conselheiros foram denunciados ao STJ. Abaixo, trecho da denúncia contra a verba secreta (Foto: Uanderson Fernandes/Ag. O Dia) 
 
O Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro tem contas a prestar ao Brasil. Os R$ 15 bilhões destinados pelo governo fluminense à organização da Olimpíada de 2016 – evento que visa vender o Brasil ao mundo – precisam ser fiscalizados por seus sete conselheiros. Outros R$ 60 bilhões gastos anualmente pelo governo do Rio são fiscalizados por essa equipe, que não trabalha sozinha. Ao todo, o órgão conta com 1.600 funcionários. Cada um dos sete conselheiros conta ainda com 20 funcionários de confiança. Vinte. Para cada um deles. Espera-se que desse mundo saiam, regularmente, detalhes sobre como esses funcionários públicos operam e aplicam seus recursos. Mas foi nesse mesmo mundo que a Procuradoria-Geral da República identificou um mar de suspeitas de irregularidades, incluindo o uso de verbas ilegais sem verificação alguma. O TCE do Rio virou um caso de polícia.
Em 7 de dezembro passado, um grupo de policiais federais foi à sede do Tribunal, no centro do Rio. A operação foi realizada sob ordens do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tinha alvo certo: um banco de dados com informações sobre funcionários e a folha de pagamentos. Duas semanas antes das buscas, a Procuradoria da República denunciara ao STJ quatro dos sete conselheiros do Tribunal – o atual presidente, Jonas Lopes de Carvalho Junior, o vice, Aluisio Gama de Souza, o ex-presidente José Gomes Graciosa e Julio Lambertson Rabello – por empregar funcionários irregulares e “fantasmas”. Documentos obtidos por ÉPOCA revelam agora que o escândalo é ainda maior. Os conselheiros são investigados por enriquecimento ilícito. Segundo a procuradoria, eles têm embolsado ao longo dos últimos anos uma “verba secreta” distribuída sem critério ou fiscalização. Mais precisamente, R$ 4 milhões por ano. E não há nada no Diário Oficial ou no boletim interno do TCE-RJ que explique para onde vai essa dinheirama. Cada um dos sete conselheiros do Tribunal gasta R$ 48.374,88 por mês sem dar satisfação à sociedade. Nem um muito obrigado.
A Procuradoria da República batizou a despesa milionária de “verba secreta” e diz que ela é ilegal. A verba foi criada em junho de 1992. À época, equivalia a R$ 4 mil por mês. Foi sendo reajustada ao longo dos anos até chegar aos mais de R$ 48 mil – o dobro do salário de um conselheiro fluminense. Essa quantia, segundo o TCE-RJ, é distribuída entre os funcionários que tiverem melhor desempenho em suas funções, como gratificação, mas sem critérios predefinidos. Cada gabinete manda à presidência do Tribunal, segundo o TCE, uma lista com o nome dos servidores contemplados no mês. E pronto. Segundo a assessoria do TCE-RJ, a inspiração para o benefício foi uma lei do então governador Moreira Franco (1987-1991). A tal lei, no entanto, previa gratificação para funcionários da Casa Civil do governo estadual. “Você não pode aumentar o orçamento de um órgão ligado ao Legislativo com base numa lei feita para o Executivo”, diz Claudio Pinho, professor de Direito Constitucional e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. A Procuradoria da República ficou ainda menos convencida com a explicação e busca obter pistas sobre o real destino da verba secreta. “Ela pode constituir mais um artifício para enriquecimento ilícito (dos conselheiros)”, afirma o subprocurador-geral da República Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos. A suspeita é que o dinheiro seja desviado para o bolso dos próprios conselheiros, enquanto funcionários, usados como laranjas, aparecem como beneficiários. Os conselheiros negam qualquer ilegalidade e dizem que as acusações são um equívoco da Procuradoria da República. Entre os sete integrantes do Tribunal, apenas José Maurício de Lima Nolasco abriu mão da verba secreta, embora já a tenha usado. Quando presidia o Tribunal em 2010, Nolasco propôs a extinção da gratificação, que já era investigada. Houve ensaio de revolta entre os conselheiros, e tudo continuou como estava.
Reprodução (Foto: Reprodução)
Responsável por fiscalizar as contas de 91 prefeituras e do Legislativo, do Judiciário e do Executivo fluminenses, o TCE-RJ vem sendo investigado há anos. Em 2008, a Polícia Federal descobriu que uma consultoria pagava propina a conselheiros em troca da aprovação das contas de prefeituras. Os conselheiros negam. Há também indícios de contratação ilegal de funcionários nos gabinetes dos membros do TCE-RJ – havia ao menos 28 irregularmente cedidos por prefeituras sem que fossem concursados nem em seus órgãos de origem, uma exigência mínima. Outros 14 funcionários lotados nos gabinetes do TCE nem sequer trabalhavam nas prefeituras nas quais apareciam como cedidos. Ao menos cinco servidores fantasmas recebiam até R$ 12 mil sem trabalhar. E já se sabe que parte dos funcionários ilegalmente emprestados veio de bases políticas de conselheiros. No TCE fluminense, trabalho é o que não falta. Se não para seus funcionários, certamente para a Polícia Federal.

Época

Nenhum comentário:

Teste

Teste